JOSÉ MORGADO
De há muito, e a propósito de várias questões, afirmo que em Portugal, apesar de existirem múltiplos dispositivos de apoio e protecção às crianças e jovens bem como legislação no mesmo sentido, sempre assente no incontornável “supremo interesse da criança", não existe o que me parece mais importante, uma cultura sólida de protecção das crianças e jovens. Como exemplos poderia citar a insuficiência de recursos e a falta de formação de alguns actores do sistema de justiça que intervêm nos processos dos Tribunais de Família.
Este problema poderá ajudar a explicar a enorme morosidade na tomada de decisão e na própria intervenção, bem como o surgimento, com alguma regularidade, de sentenças pouco compreensíveis em casos de regulação do poder parental com consequências negativas para todos os envolvidos. Pode ainda referir-se o silêncio das comunidades face a situações conhecidas de maus tratos ou negligência. Acresce a este cenário a dificuldade em promover com agilidade a articulação das múltiplas entidades envolvidas no universo respeitante a crianças e jovens, como também não é raro entre nós.
Por outro lado, as condições de funcionamento das Comissões de Protecção de Crianças e Jovens estão longe de ser as mais adequadas o que compromete naturalmente a eficácia do seu trabalho. Na sua grande maioria as Comissões têm responsabilidades sobre um número de situações de risco ou já em acompanhamento que transcende a sua capacidade de resposta. A parte mais operacional das Comissões, a designada Comissão restrita, tem muitos técnicos a tempo parcial. Tal dificuldade repercute-se, como é óbvio, na eficácia e qualidade do trabalho desenvolvido, independentemente do esforço e empenho dos profissionais que as integram, cujo trabalho deve ser salientado.
Este cenário permite que ocorram situações, por vezes com contornos dramáticos, envolvendo crianças e jovens que sendo conhecida a sua condição de vulnerabilidade não tinham, ou não tiveram, o apoio e os procedimentos necessários. Ainda acontece que depois de alguns episódios mais graves se oiça uma expressão que me deixa particularmente incomodado, a criança estava “sinalizada” ou “referenciada” mas tal não foi suficiente para desencadear a intervenção adequada e em tempo oportuno.
Em Portugal sinalizamos e referenciamos com relativa facilidade, a grande dificuldade é minimizar ou resolver os problemas referenciados ou sinalizados.
Por tudo isto, embora pareça verificar-se uma aparente menor tolerância das comunidades aos maus tratos aos miúdos, o que é positivo, também será fundamental que desenvolvam a sua intolerância face à ausência ou excessiva demora nas respostas.
Uma referência final para sublinhar a importância da prevenção que, certamente, minimizaria a ocorrência de situações que justificaram estas notas.
Professor universitário no ISPA - Instituto Universitário
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