O mais velho tem más notas. A
mais nova faz birras de manhã. O pai cruza os braços, a mãe grita e até o cão
está em crise… É possível aprender a lidar com um quotidiano caótico e criar
uma família emocionalmente inteligente? Duas psicólogas explicam-nos como.
Por: Catarina Fonseca/Activa
Imagine que alguém
lhe pede que se descreva enquanto mãe.
Lembra-se imediatamente de meia-dúzia de
coisas que fez mal ou que devia ter feito de outra maneira: aquela bofetadazita
no Tiago quando se recusou a sair de casa porque queria acabar de ver os
desenhos animados... Aquele grito à Ritinha quando, 45 minutos depois de se
sentar à mesa, continuava com o bife inteirinho à frente... E ainda há quem
queira ser mãe... Segundo as psicólogas Sandra Azevedo e Ângela Coelho, é esse
o principal obstáculo a sermos bons pais: nunca pensamos naquilo em que
somos... bons. E hoje em dia, quando se fala tanto em afastamento de pais e
filhos, o que se vê são pais cada vez mais preocupados em aprender.
Sandra e Ângela não pretendem
'ensinar' nada: elas querem orientar. Psicólogas de formação, decidiram, depois
de serem mães, criar um projecto próprio e inovador ligado ao trabalho com
famílias. Foi assim que nasceu o 'Family Coaching' (pode visitar o site em
www.familycoaching.pt), uma empresa pioneira que se dedica acima de tudo aos
workshops com grupos de pais, onde tentam em conjunto arranjar soluções para
aquilo que mais os aflige no dia-a-dia. A diferença entre o 'coaching parental'
e outras abordagens é simples: aqui não há soluções pré-fabricadas. Cada um tem
de encontrar a sua. Dá trabalho, pois dá: mas já viu algum tipo de treino que
não dê trabalho?
Como cada família é única, não há
receitas para vos apresentar. Mas Sandra e Ângela deram-nos algumas ideias para
'muscular' a sua resistência familiar e lidar melhor com as 'horas venenosas'
do seu dia.
1. Descubra os seus
limites
"Aquilo que nós fazemos é
levar os pais a parar para pensar quais as guerras que querem comprar e as que
não valem a pena", esclarece Sandra Azevedo. "Porque tudo passa por
aí. Nos nossos workshops, podemos começar por lançar temas sobre as coisas que
mais preocupam os pais: a gestão do tempo, as questões relacionados com o
stresse de conciliar a vida pessoal e profissional, como sobreviver às 'horas
venenosas', a dificuldade em gerir aquelas horas do dia em que estão todos
juntos e cansados... Ultimamente, as pessoas preocupam-se muito com as 'birras
dos pais', e a questão da disciplina e dos limites. Mas o que nós notamos é que
os pais não têm dificuldade em impor limites, têm é dificuldade em
clarificá-los para eles próprios."
2. Perceba o que
torna única a sua família
Já teve aquela sensação de que
uma solução não se aplicava ao seu problema? Muitas vezes, os conselhos que nos
dão - as pessoas, os amigos, as revistas, a televisão - não funcionam,
simplesmente porque a 'receita' não se nos aplica. Cada família tem o seu
conjunto de regras e valores, por isso é que não pode adaptar o mesmo modelo da
família da sua amiga à sua família e esperar que funcione. "Os pais são os
maiores especialistas da sua família", lembra Ângela Coelho.
"Chegam-nos sempre à procura
de ideias e estratégias que possam utilizar, e nós não funcionamos assim",
explica Sandra. "Cada família é única, cada elemento dessa família é único
em si, cada família tem um conjunto de valores e rotinas que não são replicáveis.
Portanto, cada uma tem de encontrar aquilo que funciona com ela."
3 - Adopte
expectativas realistas
"Se me vier dizer: 'Ah, eu
gostava de acabar de jantar às 9, e às 9h05 as crianças estarem na cama', se
calhar isso não é um objectivo muito viável..." lembra Ângela. O problema
é que, várias vezes, os pais se sentem completamente descontrolados face a uma
vida que parece saltar-lhes das mãos a toda à hora sem que eles tenham qualquer
poder contra isso. "Mas quando começamos a analisar as coisas, eles começam
a respirar fundo e a perceber que, passo a passo, é mais fácil descobrir um
caminho", explica Ângela. "A ideia é parar para pensar, e depois
dividir um grande problema em bocadinhos mais fáceis de resolver." Aqui,
ter expectativas realistas é importante para encontrar soluções. "Às
vezes, aquilo que eles ambicionam pode não ser exequível", nota Sandra.
"Por isso, primeiro definimos objectivos, e depois vamos ver aquilo que é
preciso fazer para chegar lá. Não vamos falar de um tema, vamos propor um
conjunto de exercícios que os vão ajudar a chegar onde querem. O mais
importante é a abordagem positiva: obrigamos os pais a parar, a olhar para eles
e pensarem nas imensas coisas que fazem bem feitas, nas competências que já
têm, e a partirem daí.
4 - Veja o lado
positivo da vida
Pois, uma alínea especialmente
difícil de cumprir para a maioria de nós, habituada ao conforto de chorar em
ombro alheio. Mas especialmente importante se pensarmos em tudo o que queremos
conseguir. "Olhamos sempre para as questões pelo lado da solução, e não
pelo lado do problema," explica Ângela. "Aqui, começamos por
perguntar às pessoas o que é que querem. O que é que gostaria que o seu filho
fizesse? E em que situações é que isso é mais difícil? O que é que costuma
acontecer nesse contexto e o que é que podemos fazer? Muitas vezes, a gente
pergunta o que é que elas querem e elas nunca pensaram nisso, porque sempre
estiveram focadas no problema, no que é que não queriam!" Então mas o que
é que muda na minha vida se eu, em vez de pensar no que é que não quero, pensar
no que quero? "É que a partir daí vamos encontrar maneiras de chegar lá!
Se pensar no que é que não quer, não chega a lado nenhum."
"Isto devolve às pessoas uma
sensação de controlo, sem que esse controlo tenha a carga negativa a que
estamos habituados: é o eu poder decidir o que é que eu quero", conclui
Sandra.
5 - Identifique os
seus 'botões de birra'
Toda a gente sabe, sendo ou não
sendo mãe: os adultos também se fartam de fazer birras. Por delicadeza connosco
próprios, nunca lhe damos esse nome, mas que são as nossas zangas quotidianas
senão 'birras em espelho'? Pois: há situações em que parece que alguém carrega
num botão e nos salta a tampa. "O que nós fazemos é levar as pessoas a
identificar os seus 'botões de birra' e a definir estratégias que possam usar
quando isso acontece, seja antes do 'botão', seja depois do 'botão'"
explica Ângela. Resultado: uma espécie de 'desprogramador interno' de birras
adultas, que vai fazer com que, quando a tempestade nos apanha, já não nos
apanhe sem rede, despreparadas, descontroladas.
6 - Trabalhe em
conjunto
Esquecemo-nos muitas vezes de que
um casamento ou uma relação é um trabalho de equipa: e é urgente retomá-lo.
Isso não quer dizer que pai e mãe estejam sempre de acordo, quer dizer que um
sabe o que o outro pensa. "Pai e mãe não têm de pensar igual em tudo, mas
um dos problemas é que as pessoas muitas vezes formam família sem conversarem
uma com a outra sobre aquilo que pensam e aquilo que querem", lembra Ângela.
"Por exemplo, ontem tivemos um casal que estava a conversar sobre as
'horas venenosas' deles, e a certa altura o pai dizia, 'podemos fazer isto', e
a mãe respondia, 'isso para mim não faz sentido nenhum, mas se isso te deixa
mais tranquilo, tudo bem."
"Também pode acontecer que
cada um tenha o seu plano para reagir a uma situação, mas o que é importante é
que conversem sobre as reacções diferentes que têm", acrescenta Sandra.
Por exemplo, pode acontecer que o pai tenha mais dificuldade em lidar com a
hora da refeição e a mãe com a hora do banho: por que não cada um ficar com a
'pasta' que lhe é mais fácil?
7 - Mude-se a si
própria
Ideia principal: nós não podemos
mudar os outros mas podemos mudar-nos a nós próprios, e aquilo que mudarmos em
nós vai ter impacto nos outros. "É um erro muito comum, esta ideia de que
eu posso mudar os outros - filhos, maridos, amigos", explica Sandra.
"O facto de eu fazer depender os meus objectivos de outras pessoas, é
muito frustrante", alerta Ângela. "Muitas pessoas retiram a sua
felicidade do facto de conseguirem mudar o outro, e aplicam toda a sua energia
em mudar aquela pessoa, quando se calhar, se a investissem a pensar no que é
que poderiam fazer para mudar a sua atitude, a sua posição em relação àquela
situação, a sua maneira de gerir o problema, teriam muito melhores resultados.
O problema é que é muitíssimo mais complicado mudar-nos a nós próprias do que
mudar os outros."
Fonte: Activa
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